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    1. O OGame “puro”: essência inicial

    • Estratégia e gestão de recursos: no início, a dinâmica central era a escolha de alocação de metal, cristal e deutério em mina, pesquisa, defesa e frota. Cada decisão – e cada segundo de espera – importava, criando um ambiente de intensos cálculos e planejamento a longo prazo.

    • Campo de jogo equilibrado: não havia atalhos além do tempo e da eficiência; progresso era fruto de paciência, cooperação em alianças e habilidade tática.

    • Comunidade e diplomacia: sem chats in-game sofisticados ou boosters, a interação entre jogadores ocorria principalmente em fóruns externos e via alianças, valorizando negociação e confiança mútua.

    Esse arcabouço promovia uma experiência profunda, onde “vencer” significava superar adversários na genialidade estratégica, não no tamanho do bolso.

    2. Evolução do jogo e a busca por sustentabilidade

    Com o aumento dos custos de manutenção e desenvolvimento, a Gameforge lançou, em 2012 (versão 4.0), uma série de premium features financiadas pela Matéria Negra. Segundo o product team, tais mudanças visavam “oferecer novos recursos e garantir a continuidade do projeto” sem, em tese, afetar exageradamente a jogabilidade dos veteranos . Contudo, mesmo admitindo a preocupação em balancear “free vs. pay”, já se delineava ali um ponto de inflexão.

    3. Introdução da Matéria Negra: o que mudou?

    A Matéria Negra tornou-se um recurso não gerado por mineração, mas adquirido em parte por explorações (expedições) e, principalmente, comprado com dinheiro real. Com ela, passou-se a ter acesso a:

    1. Speed-ups: instantâneo ou pela metade, em construções, pesquisas e frotas.

    2. Officers e Commander: bônus permanentes de produção, visão de império e queues de construção.

    3. Trader: conversão direta de recursos, driblando a necessidade de raides.

    4. Movimentação planetária: reposicionamento tático de planetas via Jump Gate sem depender de slots livres.

    Essa “moeda premium” alterou profundamente a economia e a dinâmica de competição, criando um gap crescente entre quem gasta e quem joga de forma gratuita.

    4. Principais motivos da perda de essência


    MotivoImpactoPay-to-Win explícitoJogadores mais afeitos a compras de DM conseguem acelerar pesquisas e construções, impondo-se mesmo sem maior habilidade .Desvalorização do planejamentoO uso de speed-ups via DM dissolveu a importância de planejar meses de pesquisa e construção; basta “pagar” para zerar filas.Fragmentação das universosA criação de “universos antigos” (sem redesign) e “novos” com diferentes regras premium diluiu a comunidade, enfraquecendo rivalidades clássicas.Engajamento baseado em transaçõesEm vez de focar em alianças e diplomacia, muitos jogadores passaram a dedicar tempo a “farmar” ou “defender” apenas para recuperar ou gastar DM, reduzindo o jogo a um ciclo financeiro.Desmotivação de veteranosQuem valorizava o desafio original sentiu-se preterido, levando a migração ou abandono de universos .

    Cada um desses fatores vem minando o sentimento de “vitória justa” e tornando OGame cada vez mais semelhante a um serviço de microtransações do que a um MMO de estratégia pura.

    5. Crítica à Matéria Negra

    1. Desequilíbrio competitivo

      • A facilidade de “zerar” tempos de espera com DM transforma recursos humanos e intelectuais em meros coadjuvantes, ofuscados pela capacidade de pagamento.

      • Distorce totalmente o ranking por pontos, já que a velocidade de avanço deixa de refletir habilidade estratégica e passa a refletir investimento financeiro.

    2. Impacto na experiência de jogo

      • OGame era famoso pela tensão criada pelas filas longas; as batalhas e decisões ocorriam em um ritmo que forçava interação permanente. Ao permitir eliminar filas, perde-se a cadência que estimulava alianças e ataques coordenados.

      • A progressão “instantânea” remove o valor narrativo de crescimento do império: não há mais “marcos” a serem celebrados, apenas compras a serem realizadas.

    3. Economia do abuso

      • Há casos documentados de players que, munidos de DM, atacam em massa a esmo (“griefing”), sem objetivo de loot, mas apenas para infligir dano e mostrar poder $$$ .

      • Torna-se mais lucrativo para a operadora incentivar churn e churn-back (jogadores que retornam para comprar mais DM), em vez de promover atualização de conteúdo e balanceamento para quem não paga.

    4. Inconsistência na filosofia do game

      • A “Matéria Negra” nasceu como recurso raro em expedições, mas virou ferramenta de drenagem de carteira. Essa mudança ontológica quebra a imersão num universo fictício de exploração espacial, revelando a lógica capitalista por trás.

    6. Conclusão e caminhos possíveis

    Embora a monetização seja vital para a continuidade de um MMO lançado em 2002, a forma como a Matéria Negra foi implementada — privilegiando speed-ups e vantagens diretas — distorceu a filosofia inicial de OGame: competição de mentes e paciência. Para resgatar parte de sua essência, seriam necessárias medidas como:

    • Limitar usos de DM em features cruciais, revertendo speed-ups a bônus cosmético ou aceleradores menores.

    • Implementar servidores “pure”, sem premium features, voltados a comunidades que buscam a experiência clássica.

    • Rebalancear custos e ganhos de DM em expedições, tornando-o menos acessível por compra e mais ligado ao mérito exploratório.

    • Focar em conteúdo e eventos gratuitos, recompensando jogadores leais com bônus de gameplay em vez de descontos em microtransações.

    Sem mudanças drásticas, OGame continuará a perder corações de estrategistas em nome de carteiras mais recheadas – um paradoxo para um game cujo cerne era justamente o domínio do tempo e da engenhosidade.